Mais festejado cineasta contemporâneo da China, autor de, entre outros, Em Busca da Vida (Leão de Ouro no Festival de Veneza em 2006), Jia Zhang-Ke encara o cinema como um casulo para resguardar a memória e a tradição em meio aos turbilhões da globalização.
No ano passado, o realizador de 39 anos coproduziu, com o Brasil, o longa Plastic City, dirigido por Yu Lik Wai e que tem no elenco a gaúcha Tainá Müller (o filme foi exibido em Veneza e tem previsão de estreia para 2009). Agora, Zhang-Ke chega ao país com o documentário Inútil.
O longa, que teve sessão de pré-estreia em Porto Alegre no sábado, foca a indústria do vestuário para falar de costumes e valores que a sociedade contemporânea está deixando de lado. Nesta entrevista, o diretor cita as influências que fizeram dele uma referência de sabedoria para a crítica internacional.
Pergunta – Que papel o cinema ocupa na sociedade chinesa?
Jia Zhang-Ke – Quando rodei meu primeiro longa, Pickpocket (1997), percebi que estava imerso em uma realidade que se transformava com rapidez, afetando pessoas com suas mudanças. A partir de um filme, posso revelar as dificuldades encontradas por essa gente que vive próximo a mim. Por outro lado, ao documentar essas vicissitudes, posso fazer do cinema um meio de combater o esquecimento. A China atravessa neste momento uma etapa de descarte, em que se livra do velho em prol da novidade. Isso diminui a atenção dada à memória e às histórias pessoais.
Pergunta – Qual é o saldo estético desse descarte?
Zhang-Ke – Hoje, as pessoas só se concentram em atividades econômicas. A meu ver, filmes são as armas da memória. A partir deles, nós nos relacionamos com aquilo que experimentamos e com sensações que podem desaparecer.
Pergunta – Como é a China exposta por seus longas?
Zhang-Ke – A China tem muitos rostos. Recentemente, graças à mídia internacional, o país passou a ser visto como uma entidade de crescimento econômico, um lugar de mudanças galopantes e uma terra moderna com decoração peculiar. Entretanto, espero que meus filmes mostrem uma China real e as condições reais de vida de seus bilhões de habitantes, que por vezes são muito diferentes dessa imagem. Esses habitantes podem morar em uma cidadezinha remota, em uma vila, nas montanhas ou em áreas de mineração. Não importa. Estejam onde estiverem, todos terão de tolerar o preço cobrado pela modernização chinesa, mesmo sem se beneficiar dela e de seus dividendos. Quero mostrar uma China sem camuflagem. A China que existe para além das camuflagens midiáticas.
Pergunta – Que cineastas chineses mais te influenciaram?
Zhang-Ke – Adoro a filmografia chinesa dos anos 1930 e 40 porque, naquele tempo, os cineastas trabalhavam com habilidade a noção de que um filme pode ser usado como ferramenta para refletir sobre a sociedade e sobre o indivíduo. São exemplos dessa virtude as produções Springtime at a Small Town (1948), de Fei Mu, e Street Angel (1937), de Yuan Muzhi. Me inspirei muito em Hou Hsiao-hsien (cineasta chinês que construiu carreira em Taiwan, em longas como Three Times e A Viagem do Balão Vermelho). Com seu cinema, compreendi a relação que há entre os filmes e os indivíduos, entre os filmes e o amadurecimento pessoal. Com ele, aprendi a respeitar vidas normais e suas experiências singulares.
Pergunta – E como se dá a sua relação com Hollywood?
Zhang-Ke – Formei-me na Academia de Cinema de Pequim, na qual a maioria dos professores vinha da Universidade de Moscou. Seus conceitos estéticos eram imbuídos pelo estilo do cinema soviético. Assisti a muitos filmes soviéticos, o que me levou a me aproximar do cinema pelo campo linguístico. Diretores como Sergei Eisenstein e Vsevolod Pudovkin exploraram as possibilidades de fazer do cinema uma linguagem. Fui afetado por essa tradição. A cinematografia japonesa dos anos 1960, em especial Nagisa Oshima (O Império dos Sentidos) e Shohei Imamura (A Enguia), foi marcante para mim. O neo-realismo italiano e a nouvelle vague francesa me influenciam muito, com Roberto Rossellini, Vittorio De Sica e Jean-Luc Godard. Os filmes de Henri Cartier-Bresson também.
Pergunta – Que discussões sociais Inútil gerou na China?
Zhang-Ke – O nome Inútil vem de uma grife cuja estilista, Ma Ke, utiliza seu traço para apresentar sua visão da realidade chinesa. Ela ainda apela para a manufatura de suas roupas, em vez de partir para a produção industrial, e acredita que essas peças preservem a memória. Sua visão de mundo se assemelha à minha arte.
segunda-feira, 9 de março de 2009
INÚTIL (Jia Zhang-Ke)
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário