sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Utilidade Pública: TVE/RS e FM Cultura: Salve da Extinção!


Olá queridos (as) amigos (as),

Os funcionários da TVErs/FM Cultura estão se mobilizando para evitar o fim das emissoras públicas no RS.
Favor, leia o Manifesto em:
http://forumtve. blogspot. com/2009/ 12/tve-e- fm-cultura- correm-risco- de.html
A primeira ação seria manter a TVE na tua atual sede no Morro Santa Teresa (Rua Corrêa Lima, 2118). Mas a última notícia é que o prédio da TVE foi vendido para a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC).
O prazo para saída das emissoras do local é no dia 31 de março de 2010.
Você pode participar de várias formas: divulgando a notícia, assinando o abaixo-assinado, prestigiando o Ato-Show (dia 20/12, em Porto Alegre) ou ainda o Abraço Simbólico no atual prédio (que será realizado em data a confirmar).
Assinaturas do abaixo-assinado em
http://bit.ly/ 6qw9VE
Conheça a agenda completa de atividades do Fórum TVE/FM Cultura em
http://forumtve. blogspot. com
Contamos com a participação de todos.

abraços

Luciano Alfonso
Fone (51) 9987.8021
luciano.alfonso@hotmail.com

Entrevista com Voltaire Schilling à ZERO HORA, sobre o seu polêmico (e equivocado) artigo

Jornal ZERO HORA
05 de dezembro de 2009

DEBATE

“Não sou a favor de que destruam as esculturas. Foi uma ironia”
Em entrevista na biblioteca de sua casa, na subida do Morro Santa Tereza, o historiador Voltaire Schilling detalha pontos de seu polêmico artigo sobre artes visuais. Diz que não estava falando sério ao propor que as obras fossem despachadas, queixa-se das réplicas e admite que há um tom nostálgico em seu discurso

Zero Hora – O senhor esperava que seu artigo fosse ponto de partida para uma polêmica sobre arte em Porto Alegre?

Voltaire Schilling – Não. Minha percepção era apenas reclamar contra o que eu considero o conjunto de horrores estéticos que nos cercam. Para mim, o ponto de deflagração foi a “casa monstro” (a obra Tapume, de Henrique Oliveira). Acho que não contribui para a cidade. Sou um cidadão de Porto Alegre descontente com o tipo de monumento e estatuária que existe por aí. Pelo menos com aquelas elencadas. Repare que não é uma declaração universal de horror a toda a estatuária da cidade. Depois soube que o mesmo escultor que fez o monumento ao ditador (a obra Monumento a Castello Branco) é o dos Açorianos, que acho um trabalho muito interessante.

ZH – Mas o senhor não acha que as soluções formais do Monumento a Castello Branco e do Monumento aos Açorianos são muito próximas, se não as mesmas?

Schilling – Bom, isso é difícil, não gostaria de me ater. Existem obras de arte moderna e contemporânea excelentes e outras que não o são. Da mesma maneira que um pintor tem o seu mau dia ou um extraordinário teatrólogo faz uma peça que não funciona.

ZH – O senhor acha que o monumento do Parcão não funciona?

Schilling – Não, só estou dando uma impressão. Não é uma questão de estudo acurado e profundo. O que acho estranho nessa área das artes plásticas é que, na literatura, o sujeito pode escrever um livro ruim, e a crítica em geral pode manifestar sua hostilidade. A mesma coisa acontece com o teatro, o cinema. Mas parece que as artes plásticas resolveram reservar a si uma posição de não aceitar e imediatamente cair no pentágono da desqualificação: quem critica é nazista, stalinista, reacionário, ignorante e burro. Sabia que, se houvesse algum tipo de contestação (ao artigo), entraria numa dessas categorias. Curiosamente, não me chamaram de homossexual ainda.

ZH – No texto, o senhor usa termos como “monstruosidade”, “flagelo”, “medonhice”, “perversidade” em relação às obras que rejeita, num sentido não irônico. O senhor ficou surpreso com a reação?

Schilling – O texto também procurou ser divertido. É evidente que tem ironia. Se tu olhares o Monumento a Castello Branco, ele pode ser entendido como o desembarque de um extraterrestre, por que não? Aquela outra, o “timão” (Estrela Guia, de Gustavo Nackle), parecia realmente ser feita de estrume. Se tu perguntares para as pessoas da Zona Sul o que eles acham daquilo... Faz um levantamento. É claro que procurei fazer ironicamente a coisa. Não sou a favor de que as massas se reúnam e destruam as obras de arte. Fiz uma ironia.

ZH – Qual deveria ser a atitude diante das obras expostas em museus e praças, na medida em que uma parcela desse público não goste do que está sendo exibido?

Schilling – Isso é uma situação difícil de resolver. Arte não se resolve por plebiscito, por levantamentos ou por vontade geral da nação. Isso não funciona com a arte. É um setor que tem de ser tratado com carinho, com certa atenção, não pode ser submetido a plebiscitos. Mas, por outro lado, também não podemos cair na tolerância completa, o que acaba acontecendo em grande parte do mundo com a arte conceitual. Se caiu num vale-tudo. Eu ainda sou, digamos assim, um seguidor da ideia iluminista de que a estética tem uma função de melhorar todos nós. A estética faz bem para nós. Agora, em parte, eu te diria que essa fome estética que a humanidade sente ela está sendo desviada para a tecnologia. Por exemplo, as pessoas vão num salão do automóvel e saem absolutamente embevecidas. Coisa que tu não vês quando as pessoas saem de uma Bienal – não é a nossa, qualquer uma. Tu não vês esse empolgamento das pessoas.

ZH – O senhor foi à Bienal este ano?

Schilling – Sim.

ZH – No Margs?

Schilling – É. No Margs eu fui, claro, é do meu lado (Schilling é diretor do Memorial do Estado, vizinho do Margs, na Praça da Alfândega). Foi a que tem sido mais visitada...

ZH – E o que o senhor achou?

Schilling – Olha, achei que tem trabalhos escolares, né? Tem coisas assim de trabalho de ginasiano, colagenzinha de ginasiano, né?

ZH – O fato de a Bienal estar na sétima edição, de ter tido um crescimento de público sustentado, o fato de atrair não só o público adulto, que frequenta museus, mas de ter se tornado um ponto de referência para escolas, de alguma maneira indica que a disposição do público não é exatamente a que o senhor tem?

Schilling – Olha, duas coisas. Primeiro, eu não sou contra a Bienal. Acho que a Bienal é ótima para a cidade. Acho muito bom. Pelo menos de dois em dois anos, há um encontro, uma confraternização das propostas dos artistas com o público, que é uma coisa boa para a cidade. Como é que eu vou ser contra a arte? Em segundo lugar, mesmo com o aumento de público, eu não encontrei empolgação. Não tem. Eu estou numa posição estratégica, já é a terceira Bienal (à qual assiste como diretor do Memorial do Rio Grande do Sul). Nunca, nunca nenhuma pessoa demonstrou na minha frente, para amigos meus, para pessoas próximas a mim, empolgação: “Vi tal coisa maravilhosa”. Nenhuma vez. Ao contrário: decepção. As pessoas vão com toda a boa vontade e saem decepcionadas. Muitas pessoas dizem: “Mas essa é a função da arte hoje. Criar esse tipo de embaraçamento etc e tal”.

ZH – Nenhum trabalho lhe empolgou ali no Margs?

Schilling – (Pausa.) Não. (Mais baixo.) Não, não. Os meus, digamos assim, os meus ídolos, as pessoas que eu admiro, são os impressionistas... até mesmo os cubistas e os futuristas... Eu sou, digamos assim, defensor da arte pré-contemporânea, da primeira arte moderna. Isso aí (da Bienal) pouco diz para mim.

ZH – O senhor disse que estava sendo irônico e que, de fato, não quer que as obras de arte sejam despachadas. O senhor não quer isso porque isso não vai acontecer ou porque é preciso haver uma outra resposta?

Schilling – Digamos assim: doravante, a minha expectativa é que as pessoas encarregadas disso tenham mais cuidado, só isso. Doravante, pensem um pouco: “Pô, mas será que isso realmente é uma coisa meritória para nossa cidade? Ela merece isso?”.

ZH – Ter cuidado é um conselho bastante amplo. Do ponto de vista de quem julga as obras de arte, quais seriam as diretrizes que consubstanciariam esse cuidado?

Schilling – Não tenho condições (de responder) porque eu não sou artista. Eu só reajo: isto aqui não está bom, não está bom, não está bom. Minha reação é essa. Não é a questão nem só da feiura, é o mau gosto, tu entende? É o mau gosto. E se por trás de mim não tem ninguém, se é um ato absolutamente isolado da minha personalidade, não sei por que vocês então dão valor para isso. Eu participei de um debate em que 80% das pessoas concordavam com a minha posição. Se nós chegássemos a uma avaliação, nós vamos ver que Porto Alegre está povoada de 800 mil nazistas, reacionários, burros e ignorantes, o que é um dado absolutamente alarmante sobre a nossa população.

ZH – O senhor disse: “Nós temos sido excessivamente tolerantes”. Quando o senhor diz “nós”...

Schilling – Os 80%.

ZH – A palavra “tolerância” pode ser aplicada à relação entre etnias e nacionalidades. Foi muito usada ao longo do século 20. No que toca à arte, é pouco usada porque em geral artistas e críticos concordam que uma manifestação artística pode ser válida ou não, boa ou ruim, bela ou feia. Mas aquilo que está além da tolerância tem de ser descartado. Também no século 20, o que estava “além da tolerância” foi descartado, e sabemos que isso está sempre associado a experiências bastante ruins na história.

Schilling – Sim, sim, sim.

ZH – Essa é uma palavra sua. Eu não estou colocando na sua boca. O senhor usou “tolerância”.

Schilling – Sim, sim. O que eu digo “tolerância” é a ausência de crítica. Então, como não há crítica, tu vais, tu entendes, tu deixas. Hoje a arte corresponde ao que o artista acha que é arte, a sua subjetividade.

ZH – E não tem de ser assim?

Schilling – Bom, agora é assim, mais do que nunca: “Eu decido o que é arte”. Tu conheces o caso daquele que vendeu fezes, né? Aliás, só um italiano poderia fazer um negócio desses. O cara vendeu fezes.

ZH – Era uma provocação.

Schilling – Seja o que for. Andy Warhol pedia que alguns amigos dele urinassem em cima de certas telas que ele deixava no chão. Entende? Esse tipo de coisa. Digo “tolerância” no sentido de ausência de crítica. Então de repente tu tens aberrações. É algo assim tipo a criança traquinas: vai fazendo, vai fazendo arte, de repente ela incendeia a casa? Por quê? Porque tu és excessivamente tolerante e conivente. Então talvez se nós exercêssemos sobre a arte conceitual...

ZH – O senhor usou a palavra “tolerância” e agora disse que estava se referindo à crítica. Em vez de “excesso de tolerância”, teria havido “ausência de crítica”. Existe uma considerável obra crítica em relação a todos os temas da nossa discussão. A própria estatuária de Porto Alegre tem estudos e livros. O que é preciso fazer, no seu entender, para que essa crítica encontre o seu ponto?

Schilling – Vocês supõem a crítica no sentido como a filosofia idealista tentou, no sentido de colaborar, esclarecer. A palavra “crítica” que estou dizendo é em outro sentido. É de denúncia. É uma empulhação, tu tens de denunciar a empulhação.

ZH – Tudo é empulhação?

Schilling – Não, não, não é isso. Mas tem de denunciar quando é empulhação.

ZH – Aquelas obras que o senhor cita são empulhação?

Schilling – Eu não sei, não estou preocupado com isso. Minha preocupação não é essa. Minha preocupação é de ordem estética.

ZH – Mas o senhor acabou de dizer que têm de ser denunciadas.

Schilling – Eu não estou dizendo que essas obras são empulhação. Eu não disse isso. São simplesmente cafonas, feias, não correspondem a, digamos assim, ao que eu imagino que seja um lugar gostoso de passar e ver um bom monumento. Necessariamente não precisa ser de beleza, que tenha de ser uma Vênus de Milo, um Apolo, não é isso. Mas que de alguma forma ele tenha uma expressão estética interessante, aceitável por todos. Ou pelo menos pela maioria. Agora eu volto a te dizer, eu sou cético. Eu acho que nós somos governados por uma tribo esotérica, que domina os jornais, que domina as revistas, que se associa a galerias, que se associa ao marketing, que se associa aos leilões estapafúrdios, e isso aí, e além do mais às coleções dos milionários. Que arte de transgressão é essa em que as principais obras de transgressão são compradas pelos milionários? As pessoas mais conservadoras do Ocidente têm seu dinheiro empregado nisso aí. E obviamente que elas não querem que alguém diga lá: “Olha, o rei está nu. O senhor comprou uma caixa de sabão Omo, não um ready made”. Agora, volto a insistir nessa questão: como, de que maneira, quais as condições históricas que permitiram que um grupo, essa tribo esotérica, domine o universo das artes plásticas, se imponha perante a população e aterrorize a população? As pessoas se sentem aterrorizadas, com medo de comentar qualquer coisa. Elas saem de uma exposição, não gostam e não têm coragem de dizer. Lembra um pouco o filme da minha geração, a nouvelle vague. A gente ia ao cinema e não entendia. Então tinha em Porto Alegre uns quatro ou cinco especialistas que entendiam o filme. Eram os sacerdotes sibilinos da nossa época. Eles explicavam: “Olha, o (Jean-Luc) Godard quis dizer tal coisa”. As pessoas não entendiam e ficavam absolutamente envergonhadas porque não entendiam os filmes. Então tinha que ter um especialista, um crítico de arte, um crítico de cinema, que explicava ao vulgo o que aquilo queria dizer.

ZH – O senhor diz que estamos sendo “aterrorizados”. Meu filho de cinco anos foi à Bienal e não voltou – pelo menos perceptivelmente – aterrorizado, voltou falando das coisas que viu lá. Nosso papel nesta entrevista é permitir que o senhor esclareça, detalhe e disseque sua forma de pensar. Qual seria a maneira de essa população – “aterrorizada”, para usar sua expressão – lidar com essas obras?

Schilling – Em primeiro lugar, não acredito que essa obras vão desaparecer. As circunstâncias históricas em que elas foram gestadas e o apoio que os Estados Unidos dão a isso dificilmente vão fazer com que esse tipo de arte desapareça. Em parte, o que acontece é fruto da Guerra Fria. Não só isso, já era antes, nos anos 30. Os americanos queriam fazer uma confrontação com o que estava acontecendo na Europa. Observa que o MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova York) é inaugurado exatamente quando Hitler chega ao poder e decreta o fim da arte expressionista na Alemanha. Em 1934, Stalin decreta o realismo socialista. Essa tolerância que surgiu nos Estados Unidos com a criação artística – “Faça o que quiser, imagine qualquer tipo de possibilidade criativa” – estava estreitamente vinculada à Guerra Fria. Tanto é que a CIA organizou expedições artísticas ao largo da Europa para exatamente fazer isso: “Reparem como os artistas americanos têm absoluta liberdade enquanto os soviéticos estão submetidos ao dirigismo, às exigências de um Estado totalitário”. Essa é a origem histórica e sociológica dessa história toda. Há um claro interesse de que esse tipo de arte corresponda aos anseios de liberdade defendidos pelo Ocidente. É uma posição claramente ideológica: “O nosso artista faz o que lhe vem na telha e ninguém tem de se opor”.

ZH – Isso é ruim?

Schilling – Não, não estou dizendo que é ruim ou não. Mas o que interessa a subjetividade dessas pessoas?

ZH – Não interessa?

Schilling – A quem interessa e por quê?

ZH – E o senhor, o que representa, se não a sua subjetividade?

Schilling – Olha, de alguma maneira... Tu estás fazendo referência ao meu artigo?

ZH – Não, ao seu papel como intelectual.

Schilling – Olha, de alguma maneira, eu, digamos, fui no meu artigo o intérprete dessa insatisfação que existe na nossa cidade. Não sei em outras. Mas aqui, pela repercussão que teve, fui intérprete involuntário disso. Então, nesse caso específico, minha subjetividade se articulou com o mal-estar coletivo das pessoas em relação ao que se passa na nossa cidade especificamente – não estou falando da Bienal – especificamente a estatuária e a escultuária de nossa cidade, especificamente aqueles que foram citados por mim. Só isso. Então eu fui intérprete. Isso pode acontecer. Às vezes você escreve alguma coisa e provoca...

ZH – Há nostalgia da sua parte, não?

Schilling – No seguinte sentido: o enorme acervo técnico de qualificação de pintores e escultores vai ser posto fora. Há quantos mil anos o Ocidente começou a fazer escultura? Tudo isso está se perdendo. Um sujeito escreveu para nós assim: “Olha, eu recebi encomenda de fazer cinco caixotes de madeira. Depois eu soube com surpresa que estavam ali empilhados no Cais do Porto como obra de arte”. Esses ambientes artísticos estão sendo substituídos por marceneiros, por pedreiros. Não por artistas. Há uma nostalgia? Há, sim.